Finalmente, alguns muçulmanos aceitam evoluir

SÁBADO, 9 DE ABRIL DE 2016

Ateu muçulmano escreve sobre como se libertou do islamismo


por Imitiaz Shams

A primeira coisa que você deve saber sobre os ex-muçulmanos é 
que o termo em árabe para nos descrever é basicamente um 
palavrão: murtardd, que significa “voltar as costas” ao Islã. 
A palavra tem uma conotação suja, um sentimento de cuspida
 no chão, com um R pronunciado de maneira rolante e um som
 pontudo ao final. Isso é o começo do que você deve passar 
se alguma vez quiser desempacotar a discriminação sistemática 
e ubíqua que enfrentamos em todos os aspectos de nossa vida.
uma forma chave de discriminação é a minimização de nossa 
experiência pelos estereótipos, sendo o mais comum aquele 
que diz: “Provavelmente você não era um muçulmano de verdade”.
Shams ajuda quem desejar deixar o Islã







Eu passei metade da minha vida crescendo na Arábia Saudita, 
viajando para Meca para a Umrah, a sagrada peregrinação. 
Meu primeiro livro foi uma cópia de capa lindamente 
vermelha com detalhes em ouro de uma compilação
 dos hadiths (tradições) do profeta Maomé e seus
 Sahaaba (companheiros). Eu tenho rezado, jejuado
 e memorizado o Alcorão desde que posso me lembrar
 e devoraria livros que sondava as verdades do Islã a
través de seus milagres científicos e códigos morais.

Minha família se mudou ao Reino Unido antes do 11 de setembro, 
e muitos muçulmanos vão entender o que quero dizer quando 
falo que a atmosfera mudou depois daquele dia. 
Na escola, os meninos me apelidavam “terrorista” 
e até os dias de hoje eu tenho uma camiseta onde alguns
deles desenharam explosivos e bombas no meu último 
dia de aula no ensino médio. Aquela discriminação
 não afetava o que era então um profundo e duradouro amor 
pelo Islã – apenas o fortificava.

Então o que aconteceu? Se tudo estava planejado para que eu 
passasse minha vida como muçulmano praticante, 
por que eu deixaria de sê-lo? Um dos pilares chaves da
 ortodoxia islâmica é a sua natureza perfeita e a infalibilidade 
do Alcorão, afirmações essas firmemente sustentadas 
por duas décadas. Mas quando eu fiquei mais velho
 e meu senso crítico se desenvolveu, as verdades aceitas
 sobre moralidade das ações do Profeta e os milagres do Alcorão
 ficaram mais difíceis de digerir.

Saí do Islã e me senti
completamente exilado,
um alienígena
Eu parei de acreditar que as montanhas eram “estacas” 
ou “marcações” protegendo a Terra de terremotos. 
Ironicamente, as montanhas são mais comuns onde 
os terremotos acontecem mais plenamente: nas zonas tectônicas.

Eu não mais acreditava que o Islã tinha vindo para eliminar
 progressivamente a instituição repugnante da escravatura. 
Em vez disso, eu comecei a sentir que a institucionalização
 da escravatura nos textos islâmicos veio sob os auspícios
 dos “prisioneiros de guerra”, permitindo que milhões de
 africanos e não árabes fossem feitos escravos por vários 
Califados, em alguns lugares, excedendo o horrível comércio 
transatlântico de escravos.

Eu pensava que o Islã tinha dado às mulheres direitos iguais 
aos dos homens, e isso pode ou não ser verdade, se levarmos em
 conta que nos referimos a 1.400 anos atrás. Todavia, tomado 
literalmente, a mesma escritura pode ser usada para reduzir 
sua herança e seus direitos legais, reforçar vestimentas 
ritualísticas e outras práticas, bem como transformá-las em
 objetos de escolha ou invisíveis aos homens, bani-las de se 
casar com os não muçulmanos mas dar esse direito aos 
homens… a lista prosseguia na minha mente.

Apesar de tudo isso, eu não podia aceitar internamente que eu
 tinha deixado o Islã, porque não sabia que podia. 
Só a ideia de que alguém pudesse ser um muçulmano
 praticante e deixar o Islã era completamente alheia a mim. 
Eu finalmente fui forçado a aceitar que eu não mais acreditava 
no Islã no começo de 2012, mas eu não tinha em que me espelhar, 
e ninguém que entendesse aquilo que eu ia falar. 
Minha amiga Aliyah descreveu esse estágio como ser 
“um alienígena em sua própria pele”, 
e eu me senti completamente exilado.

Outro sentimento que permeava minha apostasia era o medo. 
O Islã se apresentava como um diagrama completo e objetivo 
para a minha vida, com a missão de ditar meu papel neste 
mundo e minhas relações com a morte e com a vida póstuma. 
Isso me fez crer que sem a religião, mesmo que eu vivesse 
fazendo a diferença neste mundo, eu não mais seria um abd Allah,
 um escravo de Alá, e assim minha vida seria sem lógica. 
Narrava-se que o dia do julgamento (Yawm al-Qiyamah)
 viria e eu seria julgado como apóstata, um dos piores pecados;
 e lançado ao Jahannum (inferno). A linguagem que gira em 
torno do inferno na escritura islâmica pode ser aterrorizante – 
será que é alguma surpresa que os ex-muçulmanos tenham 
que lidar com a ansiedade que isso cria?

Este período de isolamento e medo não durou muito tempo, ]
pois eu rapidamente encontrei outros quando acabei indo 
parar em um grupo no Reddit que se chamava /r/ exmuslim.
 Subitamente, eu tive acesso a milhares de ex-muçulmanos ativos, 
suas histórias, conselhos e experiências de discriminação.

Quase todos esses usuários eram anônimos porque herdavam 
riscos sociais e físicos por deixar o Islã, então eu comecei 
a me identificar. Eu cheguei com um protocolo de identificação, 
checando cuidadosamente as pessoas uma por uma. Compartilhar 
a história pela primeira vez com outro ex-muçulmano 
é emocionante, havia tantos de nós para partilhar. 
Claro que ainda nos sentíamos como aliens, mas havia 
muitos aliens então nos sentíamos mais confortáveis dentro 
de nossa própria pele.

Quem procura a
entidade é ameaçado
com inferno 
Nessa época, eu tive a chance de conhecer dois advogados gays
 que me deram um conselho: o que realmente mudou para 
a comunidade GLBT na Grã-Bretanha não foi apenas ficar em 
comunidades organizadas, mas o fato de que eles vieram a público.
 Isso fez muito sentido para mim, então eu juntei forças com 
Aliyah Saleem, uma ex-muçulmana feminista e ativista,
 e nós começamos o que se tornaria o Faith to Faithless
uma organização que cria plataformas tanto dentro da internet
 quanto fora dela, para promover a voz dos apóstatas.

O primeiro evento do Faith to Faithless foi há um ano, na 
Universidade Londrina de Queen Mary (QMUL). 
Embora tivéssemos membros da sociedade islâmica e 
grupos de da’wah (pregação) panfletando no nosso evento, 
o sucesso foi massivo.

Alguns dos ex-muçulmanos que conhecemos lá haviam 
palestrado em outros eventos. Recebemos apoio do público
em geral (incluindo muçulmanos), 
também recebemos muitas cartas de ódio e abuso. 
Havia pessoas que cuspiam no chão e me chamavam demurtadd,
 enquanto que os insultos às mulheres do Faith to Faithless
 eram sempre recheados de termos asquerosamente sexistas.

Pior ainda é que éramos rebaixados por aqueles que
 deviam estar nos ajudando, incluindo algumas feministas
 e ativistas de esquerda, que usavam termos raciais como
 “informantes nativos” para nos descrever, 
subestimando nossa agência como uma minoria dentro de
 uma minoria.

Como você pode imaginar, muitos ex-muçulmanos entram
 em contato com o Faith to Faithless por querer conselhos ou
 ajuda urgente e tem enfrentado abuso em diferentes formas.
 Alguns, embora aceitos como membros por suas famílias, 
são advertidos constantemente que vão “queimar no inferno” 
e deveriam se arrepender. Outros são jogados na rua sem 
nenhum tipo de ajuda financeira. Outros são fisicamente
 agredidos, tal como uma ex-muçulmana que levou um murro 
no estômago dado pelo irmão e depois foi trancada no quarto
 pelos pais.

É importante notar que nem todos os muçulmanos tem tratado
 os apóstatas desse jeito. Algumas das vozes mais importantes
 para mim foram a de meus amigos muçulmanos que me 
mandaram mensagens privadas mostrando seu apoio e amor.
 Nós precisamos ser capazes de ficar de pé e lutar contra ambas 
as discriminações: contra os muçulmanos e contra os apóstatas, 
o que frequentemente vem junto. Se você é um jovem
 ex-muçulmano que deixou sua fé e se sente só ou isolado,
 entre em contato. Você definitivamente não está sozinho.

O autor do texto é ateu e fundador de Faith to Faithless, 
entidade que dá apoio a ex-muçulmanos. 


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